Lentes, prismas, lanternas mágicas e caleidoscópios – A mirada de Penna Prearo
Descendente direta da pintura, essa velha e vigorosa prática artesanal de produção de imagens, a fotografia nasceu da impaciência em flagrar ou produzir imagens de modo rápido, confrontar a velocidade com a velocidade da vida, emparelhando-se ao presente, reagir ao instante fixando-o como um alfinete espetado numa borboleta. Daí veio o cinema e com o desfile de imagens pôde-se acompanhar e inventar o jorro dos acontecimentos. Aperfeiçoou-se o processo de produção de narrativas.
Pintura, fotografia, cinema tudo isso são suportes de expressão, formas de linguagem. Cobrar-lhes coerência em relação ao mundo é não entender o que elas são e, menos ainda, o que é o mundo, que só acontece a partir de nós quando o enredamos nas malhas das significações. Penna Prearo, entre os nossos mais sofisticados pensadores visuais, sabe perfeitamente disso, e junta à sua fotografia elementos da pintura e do cinema, enquanto lhe explora aspectos intrínsecos e equipamentos e acessórios visuais correlatos ou aparentados com suas lentes, como filtros, prismas, lanternas mágicas, caleidoscópios, entre outros artefatos técnicos e brinquedos, os mesmos que, quando garotos, reinventávamos o mundo olhando-lhes através.
Mas entre todos seus vastos recursos, ao lado de sua notável capacidade de edição, de realizar confrontos e tensões entre imagens, a cor deve ser sublinhada, dado que com Penna ela atinge possibilidades semelhantes as alucinações lisérgicas que Kubrick obteve no último segmento de 2001 Uma odisseia no espaço, quando da entrada em Júpiter, ou Fellini, por exemplo em Amarcord, no momento em que a cauda verde e azul iridescente do pavão abre-se sob a chuva branca dos flocos de neve que recobrem a praça e os garotos que respeitosamente extasiados o contemplam.
Penna Prearo é um construtor de narrativas. Um diretor que constrói cenas, inventa cenário e situações insólitas para protagonistas tão improváveis quanto um mosquiteiro de tule, um cavalinho de pau, a cabeça de uma escultura clássica, duas rodas de bicicletas ou os objetos e construções banais e imprevistas como um hidrante, uma guarita ou um cupinzeiro, que o artista, em suas infatigáveis peregrinações, percebe e trata como personagens sólidas, enigmáticas, poderosas em suas presenças silenciosas como um gato atravessando uma rua durante a noite. Nesse sentido sua poética, alimentada por baladas rockeiras e por vasto repertório literário, afigura-se como um diário do maravilhoso que ele consegue fazer irromper de um cotidiano que os tristes e desavisados supõe comum.
Agnaldo Farias / setembro 2014.